São quase 9 mil substâncias tóxicas que formam esse pequeno e gorduroso resíduo: a bituca de cigarro. Por ser pequena e parecer indefesa, é comum ver pessoas jogando bitucas nas ruas sem o menor constrangimento.

Estima-se que 60% dos fumantes tenham esse hábito, de acordo com pesquisa do Mundo Sem Bitucas, movimento que busca conscientizar fumantes e não fumantes sobre os impactos desse material no meio ambiente. Mas os pertencentes a essa estatística não sabem que 95% dos filtros de cigarro são compostos por acetato de celulose, material de difícil degradação que pode levar cerca de 15 anos para se decompor.

“Esse resíduo ainda passa como invisível no dia a dia das pessoas, mas é só olhar no chão que logo a gente encontra ao menos um pertinho de você”, afirma Natália Zafra Goettlicher, idealizadora e diretora geral do projeto Mundo Sem Bitucas.

Mesmo pequeno e imperceptível, esse material é capaz de trazer graves consequências ao meio ambiente, como contaminação do solo, rios e córregos, entupimento de tubulações e bueiro, enchentes e incêndios entre as estações secas, provocando danos ambientais imensuráveis. Por isso, é fundamental que as bitucas sejam descartadas corretamente e passem pelo processo de reciclagem.

Foi a consciência desse risco ambiental que fez Natália criar, em 2015, o Movimento. A ideia nasceu de um incômodo da jovem ao observar uma grande quantidade de bitucas em todos os lugares por onde passava: ruas, calçadas, parques, praias e até mesmo trilhas ecológicas. Com foco na educação ambiental, as principais ações do Mundo Sem Bitucas consistem em mutirões de limpeza em lugares públicos, oficinas educativas de como fazer seu próprio cinzeiro de bolso, rodas de conversa, palestras sobre os impactos socioambientais desse material e intervenções artísticas.

“Estamos fazendo algo mais lúdico para chamar a atenção do público em geral”, conta. Mais do que as atividades colocadas em prática, a idealizadora acredita que a educação ambiental é a saída para um mundo de fato sem bitucas. “É a base para a mudança de um comportamento e para o desenvolvimento de uma sociedade”, defende.

Lixo que vira papel

Também movido por essa percepção, o pesquisador Marco Duarte deu o pontapé inicial para o desenvolvimento do processo de reciclagem da bituca no mundo. Desafiado por uma disciplina de arte na faculdade de biologia, começou a buscar novos métodos de reciclagem do papel e notou que o filtro do cigarro possuía fibra, o que consequentemente poderia dar origem a uma massa celulósica.

O jovem saiu recolhendo o material pelo campus da Universidade de Brasília, onde estudava, e pelos locais que frequentava. Ao levar a ideia para o laboratório de Artes, contou com o apoio de sua professora e, após vários testes, Marco chegou a uma solução química inédita que daria origem a primeira usina de reciclagem de bitucas no Brasil, a Poiato Recicla.

Após 11 anos em sigilo, a ideia de Marco foi patenteada e licenciada pela empresa, que hoje recicla quase 750 mil filtros por mês. Instalada em Votorantim, interior de São Paulo, a entidade recolhe o material de coletores espalhados por todo o país. Na sequência, as bitucas são armazenadas, pesadas e transferidas para panelas de metal para o cozimento. Lá elas têm contato com água fervida a uma temperatura de 100°C e com a solução química desenvolvida no laboratório da UnB, a grande responsável por tirar a toxicidade do resíduo.

Cinco horas depois, o cozimento vira uma massa escura que segue para um tanque de lavagem, responsável por acelerar a higienização do papel. Após etapas de secagem e prensagem, o processo dá origem a massa celulósica - ou seja, a matéria-prima do papel. O resultado é inofensivo: o que antes era tóxico se tornou cadernos, encartes, convites e outros materiais sem o menor rastro ou cheiro do tabaco. De acordo com o diretor industrial Marcos Poiato, que viu oportunidade no nicho, “com 45 bitucas de cigarro é possível fazer uma folha de papel, utilizada em atividades pedagógicas”.

Rotina Sustentável

O hábito de jogar bitucas no chão não está no dia a dia da promotora de vendas Aline Cruz, 31 anos. Fumante há 16, a jovem evita consumir cigarro na rua enquanto se movimenta e sempre procura uma lixeira para descartar seus filtros. São cerca de 18 por dia, entre idas e vindas pelas livrarias, onde trabalha como representante de uma editora de livros.

A medida sustentável se deu na observação das pessoas ao seu redor, que costumavam descartar o resíduo em qualquer lugar.

“Um dia, olhei pra isso e pensei: ‘poxa, não é legal’. Se a gente não gosta que as pessoas joguem papel nas ruas, porque bituca pode? Foi então que resolvi mudar minha postura definitivamente”, conta.

Defensora do pensamento “a mudança começa por mim”, a jovem acredita que seu comportamento faça a diferença para as pessoas que andam com ela. “Creio que minha atitude influencia mais do que chamar a atenção ou dar bronca em alguma pessoa. Mesmo que você faça ela parar para pensar, isso pode ferir o orgulho e ser mais prejudicial do que saudável”.

Onde descartar?

A melhor orientação para o fumante é que ele procure pontos com coletores ou bituqueiras para descarte correto, ou prefira pelas lixeiras comuns. Antes de descartar, é importante apagar a bituca no próprio alumínio da boca da lixeira. “Assim, não corre o risco de provocar um incêndio caso a ponta do cigarro acesa entre em contato com algum material inflamável”, explica a ativista Natália.

Outra alternativa é carregar o próprio cinzeiro portátil, no caso da ausência de uma lixeira próxima. O movimento Mundo Sem Bitucas ensina em suas oficinas como fazer um com embalagens pós-uso e sem nenhum custo. Para quem quiser investir, há no mercado diversos modelos.

* Fonte Recicla Sampa (Texto produzido em 02/05/2019)

 

 

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